quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Salvem o "Miguel" (e os outros também)!



Para quem não sabe, as rolhas tradicionais são feitas de cortiça. A cortiça é a casca de uma árvore chamada sobreiro. E Portugal é o maior exportador de cortiça a nível mundial. A cortiça é um material versátil e 100% natural. Com um vasto leque de possíveis utilizações, podemos encontrá-la tanto nas garrafas de vinho, como em nossas casas, em peças de vestuário e acessórios de moda e até mesmo no isolamento térmico dos tanques de combustível externos do Space Shuttle Columbia, utilizado pela NASA.
Segundo dados da APCOR (Associação Portuguesa de Cortiça), referentes ao ano de 2007, o valor gerado pelas exportações nacionais de cortiça representa cerca de 0,7% do PIB (a preços de mercado), aproximadamente 2,3% do total das exportações portuguesas e cerca de 30% do total das exportações portuguesas de produtos florestais. Isto só para dar uma ideia da importância deste sector.
A indústria corticeira nacional tem um rosto de destaque de quem toda a gente certamente já ouviu falar, especialmente desde que, em 2008, a revista Forbes o classificou como o homem mais rico de Portugal e um dos mais ricos do mundo. Refiro-me obviamente a Américo Amorim, presidente do Conselho de Administração do Grupo Amorim, ao qual pertence a sobejamente conhecida Corticeira Amorim, que é a maior empresa mundial de produtos de cortiça e está organizada em cinco unidades de negócio: Matérias-Primas, Rolhas, Revestimentos, Aglomerados Compósitos e Isolamentos.
A crescente procura de soluções alternativas ao uso da rolha de cortiça em alguns mercados internacionais (especialmente em países como os EUA, a Austrália e a Nova Zelândia), optando por rolhas sintéticas ou tampas de plástico, tem comprometido e ameaçado de forma séria todo o sector corticeiro. Recentemente, numa tentativa de contrariar esta tendência, o Grupo Amorim financiou uma curiosa campanha internacional em defesa da tradicional rolha de cortiça, usando para o efeito o actor humorístico Rob Schneider que, segundo o breve filme criado para o efeito, tem como missão viajar até Portugal na nobre demanda de "Salvar o Miguel" (no título original: Save Miguel), sendo que "Miguel" é um sobreiro, o que neste caso é sinónimo de "Cortiça".
Pelos vistos o resultado desta campanha e de outras eventuais medidas (se é que as houve mas pretendo acreditar que sim) tomadas em defesa desta matéria-prima, símbolo de Portugal no mundo (apenas o fado e vinho do Porto terão uma conotação tão imediata com a Lusitânia), não têm tido o sucesso esperado. O sector corticeiro está em crise e começam finalmente a surgir nos meios de comunicação social algumas notícias que revelam a delicada situação em que se encontra.
No caso da Corticeira Amorim, podia ler-se hoje no Jornal de Negócios que foi anunciado o despedimento de 193 trabalhadores, o que é grave. Mas ainda mais grave é o que se passa com a Suberus, grupo detentor da segunda maior corticeira nacional. Para além da actividade corticeira, a Suberus tem ainda ramificações na área da metalurgia e não sei se noutras mais (neste momento a maioria dos sites do grupo estão suspensos ou inactivos, sendo portanto difícil reunir informação mais detalhada). No que toca à cortiça, a Suberus detém duas fábricas no norte do país a Vinocor e a Subercor, em Mozelos, Santa Maria da Feira e uma outra, a Subercentro, em Ponte de Sor, no Distrito de Portalegre.
Desde o dia 21 do passado mês de Janeiro que os cerca de 160 empregados das fábricas Vinocor e Subercor iniciaram uma greve de protesto, devido aos salários em atraso de Dezembro e respectivos subsídios de Natal. Hoje foi anunciado nos diversos meios de comunicação social que a Suberus apresentou em tribunal um pedido de insolvência para as suas 4 empresas do ramo corticeiro, Vinocor, Subercor, Subercentro e Subergal Trading, que empregavam no total cerca de 300 trabalhadores.
Escusado será dizer que lamento profundamente a situação, não só do sector (relativamente ao qual tenho uma profunda ligação de proximidade afectiva) como em especial a dos trabalhadores que vêm agora uma nuvem ainda mais negra a surgir no horizonte.
Mas não posso deixar de fazer uma referência sentida àqueles que neste momento sofrem talvez os dias mais angustiantes das suas vidas e de quem nunca se ouve falar (o que demonstra o desinteresse absoluto por parte dos media por tudo que não seja populista e notícia "fácil"). Refiro-me aos pequenos intermediários e produtores que, no último ano, venderam todo, ou a maior parte do seu stock de cortiça a qualquer uma destas empresas e até hoje não viram um tostão.
Falo de pessoas cuja vida é dedicada exclusivamente a este negócio e, em muitos caso, vivem há meses a fio numa angustia atroz, consumidos diariamente por sentimentos contraditórios que oscilam entre a esperança e o desespero, a boa-fé e a desconfiança, a revolta e o arrependimento. Assistem impotentes ao consecutivo adiar de uma solução, que vai tardando e nunca mais chega. Sujeitam-se às promessas dos devedores de que tudo está a ser feito para resolver a situação, de que não serão esquecidos, de que assim que o problema esteja resolvido serão eles os primeiros a receber o seu dinheiro. E eles, movidos por uma fé que, antes de mais só existe porque perdê-la seria sinónimo de assumir que perderam tudo, lá vão acedendo, esperando, dizendo que sim a tudo o que lhes é pedido.
Muitos destes homens não acompanharam a evolução dos tempos, não têm escritórios, nem computadores, nem internet. Não contratam advogados, nem secretárias, nem assistentes, nem analistas para os ajudar nos seus negócios e alguns nem sequer lêem o jornal mas seguem religiosamente os noticiários televisivos, mesmo que não percebam na íntegra tudo o que lá se diz. Não dispensam no entanto um bloquinho de notas, onde fazem contas e apontam números de telefone. E um lápis, que muitos afiam com o mesmo canivete que usam para retirar uma lasca das pranchas de cortiça nova, para verificar a quantidade de "verde" (que resulta da humidade por evaporar ainda "presa" no interior da mesma) e poder assim calcular quanto tempo falta para a poder pesar já seca. Igualmente indispensáveis são os dois livros sagrados, o dos cheques e o dos contratos, preenchidos sempre à mão e em triplicado, sabe-se lá quando é que um bom negócio pode bater à porta. Pesam as pilhas (de cortiça) a olho e raramente se enganam (confirmando-se a sua extraordinária precisão sempre que alguém insiste em usar a balança). Calculam a cubicagem com uma fita métrica e umas contas de cabeça. Trazem na memória o extenso mapa da planície, dos montes e vales, conhecem as corgas e os caminhos de cor, assim como os nomes das herdades e daqueles a quem pertencem. Nunca precisaram de um GPS, a maioria nem sabe o que isso é. São homens do Sul, esta raça em vias de extinção. Uma espécie de cowboys à portuguesa, cavaleiros solitários que trocaram os cavalos por jipes e percorrem diariamente centenas de quilómetros pelos montes alentejanos, à procura do negócio. Homens para quem a palavra é sempre de honra e um compromisso fica selado com um aperto de mão.
São portanto presas fáceis neste jogo em que no outro extremo do tabuleiro, no Norte, estão as modernas e organizadas empresas, com as suas unidades fabris, os escritórios, as secretárias, os advogados e a internet. Muitos destes homens têm idades avançadas, que já não permitem o fôlego necessário para lidar com esta montanha-russa de emoções que os depara agora, no fim da linha, com a hipótese de ver tudo aquilo porque lutaram uma vida inteira esfumar-se em nada. Porque o risco que correm é mesmo esse, ver o "tudo" transforma-se em "nada".
É nesses que mais penso e por quem o meu coração mais pesa. É a esses que deixo aqui uma palavra de solidariedade e coragem. Salvem o "Miguel" mas salvem primeiro aqueles que desde sempre deram o seu contributo para que, em boa parte devido ao seu esforço, o "Miguel" seja hoje aquilo que é.

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

"Qimonda" aqui já não sou eu.



A gigante internacional Qimonda abandonou o posto de liderança enquanto maior exportador nacional, passando a ocupar a 3ª posição no Top 10. O lugar da frente é agora assumido pela Petrogal (do grupo Galp Energia) e em 2º lugar está a Autoeuropa (pertencente ao grupo Volkswagen). Pelo andar da carruagem, penso que a Qimonda ainda estará longe de terminar a sua queda no ranking, mesmo com o surgimento de um eventual comprador. Segundo o Diário Económico, só nos últimos 7 meses a Qimonda perdeu cerca de 97% do seu valor na bolsa de Frankfurt, 68% dos quais já em 2009.
Quanto à Petrogal, tem a seu favor o facto de pertencer a um grupo forte, que vende um bem essencial. Apesar da baixa do preço do barril de petróleo, a descida de preços nas bombas de combustível não tem sido proporcional à queda, ao contrário do que se verificou ao longo do período em que a tendência foi inversa, em meados do ano passado. Outro aspecto positivo, prende-se com as sucessivas descobertas de poços de petróleo no Brasil, na parceria que a Galp Energia detém com a brasileira Petrobras. Parece-me portanto assegurada a solidez deste grupo.
No caso da Autoeuropa e apesar de um futuro que se mantém incerto, se por um lado pode sofrer baixas devido à quebra acentuada da venda de automóveis, não só em território nacional como nos mercados mundiais em geral, tem apesar de tudo a seu favor o facto de pertencer à Volkswagen, que é, não só o maior fabricante europeu de automóveis, como vê agora a Porsche assumir o controlo accionista da empresa ao reforçar a sua posição, detendo actualmente 50,76% do capital da mesma e que espera, ainda este ano, chegar aos 75%. Portanto é aguardar para ver qual o futuro da Autoeuropa que, para já, ocupa o 2º lugar deste ranking.
Aqui fica a lista fornecida pelo INE do Top 10 das maiores exportadoras nacionais (entre Janeiro e Outubro de 2008). Curiosamente, ou não, apenas 4 são realmente portuguesas:

1 - PETRÓLEOS DE PORTUGAL-PETROGAL, SA
2 - AUTOEUROPA - AUTOMÓVEIS, LDA
3 - QIMONDA PORTUGAL, SA
4 - REPSOL POLÍMEROS LDA
5 - SOPORCEL - SOCIEDADE PORTUGUESA DE PAPEL, SA
6 - CONTINENTAL MABOR - INDÚSTRIA DE PNEUS, SA
7 - PORTUCEL - EMPRESA PRODUTORA DE PASTA E PAPEL, SA
8 - PEUGEOT CITROEN AUTOMÓVEIS PORTUGAL, SA
9 - SOMINCOR - SOCIEDADE MINEIRA DE NEVES - CORVO, SA
10 - BLAUPUNKT AUTO-RÁDIO PORTUGAL, LDA

Globalização pouco global!



Não, não é um convite para ir para a neve. É Davos, que termina sem consenso, ou melhor, sem soluções para a "crise", revelando a grande anedota dos tempos que correm. Tempos esses de globalização, dos gigantes globais, das comunicações globais, dos monopólios globais, das marcas globais, das empresas globais mas e quando se fala de crise? Onde é que estão as soluções globais? E as políticas globais? E as medidas globais? É que, ao chamar-se "global" a esta crise, embora o seja de facto, só o é nos seus efeitos, pois ninguém assume a sua parte de culpa. Já agora, até se aproveita para ir ao mapa, tirar o pó e puxar o lustro às fronteiras que pareciam tão apagadas e mortiças mas afinal estão (e sempre estiveram) lá. E aproveita-se o momento solene para recordar o mundo da culpa do vizinho e da nossa inocência. E já agora recorda-se também, um bocadinho, as nossas diferenças, porque que em tempos de vacas gordas, quando se anda de barriga cheia é tão fácil pensar: Ahhhh… Como é bom sermos todos iguais!
Pelos vistos a "globalização" só funciona quando a seta está no verde. Quando os peixes se vão comendo, segundo a “ordem natural” das coisas, um após outro, sendo que o último é sempre maior que o anterior. Assim que esta cadeia alimentar é interrompida por uma indigestão ou pior, uma intoxicação alimentar, pronto! Zangam-se as comadres, viram-se as costas, ninguém come mais ninguém e ninguém se fala (fora meia dúzia de peixes, dos maiores, que vão trocando umas impressões entre eles de como é que hão-de continuar a papar os pequenitos assim que lhes passar a dor de barriga). Começam a atribuir-se as culpas para poder votar uns quantos ao ostracismo e restabelecer a ordem e o equilíbrio. Os grandes dizem que os pequenos estavam estragados e não avisaram e os pequenos defendem-se dizendo que, se assim era, foi porque os grandes não tinham nada que limpar o rabo com o plâncton de que eles (os pequenos) se alimentam.
E pronto, a globalização é assim.